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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Auto-de-fé, pós "Ad-hoc"... no Rossio!




O Rossio, praça pública e terreno espaçoso, é hoje povoado por sóbrios edifícios pombalinos e local onde se realizam alguns comícios políticos em épocas eleitorais. Porém, como centro nevrálgico de Lisboa desde o séc. XV, já foi palco de paradas militares, touradas, festivais e até de autos-de-fé, durante a Inquisição - tribunal eclesiástico, criado na Idade Média, destinado a condenar todos aqueles que não professassem a doutrina pregada pela Santa Madre-Igreja Católica. 
Se bem que o poder Inquisitorial tenha sido um pouco menor em Portugal do que na vizinha Espanha e enfraquecido pela autoridade e carisma do Marquês de Pombal, na segunda metade do séc. XVIII, este período da Santa Inquisição que durou, oficialmente, de 1536 a 1821, não deixou de ser uma mancha negra na gloriosa História de Portugal.  
Os autos-de-fé eram o retrato animalesco daquilo a que o ser humano pode chegar em nome do fanatismo, no combate à heresia. Realizavam-se na praça pública, em forma de cerimonial onde se liam e executavam as sentenças do Tribunal do Santo Ofício, criado pela Inquisição no séc. XVI, destinado a condenar tanto os "relaxados" como os "reconciliados", isto é, todos aqueles que eram remetidos para a Justiça secular, ou seja aos carrascos da Coroa, por quem eram torturados e queimados vivos.

Rossio visto do Elevador de Santa Justa     
O primeiro auto-de-fé realizou-se exactamente aqui, na praça do Rossio, em 20 de Setembro de 1540, hoje Praça D. Pedro IV, em homenagem ao rei Liberal (vigésimo oitavo rei de Portugal e primeiro imperador do Brasil independente) e consequência da marca vigorosa de Sebastião José de Carvalho e Melo (primeiro conde de Oeiras e Marquês de Pombal). 
No centro da praça, ergue-se a estátua de D. Pedro IV, tendo na base quatro figuras femininas alegóricas à Justiça, à Sabedoria, à Força e à Moderação, qualidades atribuídas ao Rei-Soldado, também Rei-Imperador, para além de O Libertador. Foi calcetada, numa área de 8 712 m2, entre 1848 e 1849, com padrões ondulantes em preto e branco, aliás um dos primeiros desenhos desse tipo a decorar os pavimentos da capital. 
Foram as cartas régias de 20 de Agosto de 1498 e de 8 de Maio de 1500, assinadas pelo rei D. Manuel I, que deram o início ao calcetamento das ruas de Lisboa. Assim nascia, em Portugal, a calçada portuguesa que, quando já mais evoluída, foi marcante, ao ponto de merecer referência n'O Arco de Sant'Ana, de Almeida Garrett, assim como em Cristalizações, poema de Cesário Verde e que, sendo sinónimo de funcionalidade, para além de um ideal de moda e bom gosto, prontamente se espalhou pelo país, colónias e estrangeiro.
 
Monumento ao calceteiro em Loures

 … De cócoras, em linha os calceteiros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.


- Cesário Verde, Cristalizações



Também aqui, nesta Pr. D. Pedro IV, quase cinco séculos depois, as pedras da calçada serviriam de sopé às quatro paredes, entre as quais uma flor de cor púrpura e pétalas suaves acabaria de extravasar, sozinha, o sentimento da derrota. Num "auto-de-fé". Não silencioso, mas sem carrascos. Uma batalha perdida. Um sonho que, mais uma vez, acabava de esfumar-se. Não a guerra, mas uma batalha inglória!



BC/




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