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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Amigos de curta data





O Louro já dava sinais de inquietação. Soara uma buzinadela! Nada de estranho. Fora o combinado... Era o Tadeu, um amigo de curta data. 
- Aqui tens o Maserati.  Espero que, tão cedo, não me aconteça outra!
Provavelmente não. O cheiro da rosa é familiar, por norma não gera distracções; o da orquídea, mais raro e exótico, às vezes confunde! De qualquer maneira se se tornasse  frequente passaria despercebido...
Havíamo-nos conhecido na disco night. O habitual - uma noite de saltos e aos saltos, extenuante, como se fosse a última e até ao último minuto. As amigas que se "enrolam" e cujos parceiros apresentam os seus amigos (assim apareceu o Tadeu). Uma vodka-laranja... traz o volume de líquido suficiente para aguentar a noite e a ansiedade. A procura... uma busca constante de algo que, mesmo não se conhecendo, sente-se-lhe ou sonha-se-lhe a existência. Ah, sim, e uns quantos SG que ajudam a expelir a frustração desse encontro de alma que não se concretiza. Calma, uns quantos SG, mas cigarros, não maços. Não há desmandas. Os hábitos enraizaram-se, mas regrados pelos limites do racional.
Faz jus ao ambiente espontâneo e campestre em que nasceu. Nada de herbicidas nem fertilizantes... químicos, já se vê! Água, quando a sede aperta; à refeição um decilitro de vinho, se houver - caso contrário nada, é a seco -  e um café após; café com leite nos intervalos; um cálice de Porto em dias de festa ou alguma saída mais recatada; a dita vodka, em noites de esforço físico... no que à rega concerne. E a nutrição não é menos sem graça: apesar de não ser vegetariana fundamentalista, não vai muito além. Na medida do possível sempre produção e confecção próprias. O caldo de farinha de outrora dera lugar à sopa de couve-galega. Opípara na frugalidade. Salvo alguns desafios...
E o Tadeu desafiara-a. Eram novidade mútua e amigos comuns de determinada família. Família que se antevia próxima...
- Tens aulas à noite, vou ter contigo, e vamos jantar. É o 12.º de quê?
- 3.º Curso, rapaz, Filosofia! Chiquérrimo... não serve para nada, mas é fundamental! Intuis, deveras e à boa maneira socrática, que "só sabes que nada sabes". E se tiveres discernimento para tanto, juro que já sabes muito! Acrescentas mais umas quantas dúvidas existenciais àquelas que, por certo, já tens, e isto sem sequer chegares a perceber como é que Descartes prova a existência de Deus! Mesmo assim, se é que já não és, transformas-te num pensador nato e passas a ver as coisas por outro prisma - um labirinto imenso, mas com longos, muito longos, corredores. É bom. Preenche!
Encontrámo-nos na Lambisgóia. Caprichos variáveis... estava na fase do "mil-folhas com creme russo", hábitos da rosa com quem, quiçá por força das circunstâncias (canteiros contíguos e laços parentais), temporariamente foram partilhados os mesmos destinos e, claro, alguns modus vivendi.
Dali partimos para o Gato, três quilómetros a sul. O arroz de marisco não devia estar mal... não houve queixas! E isso não era tão importante como o desfrutar da conversa. Da presença. Da companhia de alguém que, de algum modo, estávamos a desvendar, a estudar, a analisar reciprocamente. A aprender e a apreender. A partilhar vivências. A darmos e a recebermos.
- E agora? É só mais meia horita... e vamos até ao Pipo beber um Porto?
Regressámos praticamente ao ponto de partida - claro, agora três quilómetros para norte. Um Porto, tinto, doce e uma Heineken acompanharam mais dois dedos de amena cavaqueira, ao som da música ambiente.
Lou Reed. "Walk on the wide side"... Levantámo-nos. E em uníssono:
- Vamos embora! Amanhã... Logo é outro dia!...
Descemos as escadas do Pipo, desembocando directamente no largo do Terreiro.
Ao fundo tinha ficado o Maserati. Logo ali estava o Alpine do Tadeu. Num gesto mecânico meteu a mão ao bolso procurando a chave da ignição. Nada! Procurou... não encontrou... não tinha a dita! Meia volta ao Alpine. As portas estavam cerradas, os vidros corridos. Para cima. Até ao último milímetro. Mas do mal o menos: a chave havia ficado na ignição! Tão perto, e tão longe... há coisas assim. Que fazer? Ele estava habituado ao ofício, mas de mãos atadas. Em terras estranhas,  sem ferramenta, além de que à noite todos os gatos são pardos. E ainda tinha que regressar a Barcelos.
- Não te preocupes, temos solução. Andas mais vinte e quatro quilómetros, ida e volta. Vamos no Maserati, eu fico em casa e prometes que cuidas bem dele até amanhã de manhã?
- Fazes isso por mim? 
- Tenho alternativa? Veremos é se o patrão não vai apanhar uma indigestão ao pequeno almoço, quando lhe telefonar a pedir para me ir buscar a casa. Mais seis quilómetros, ida e volta. Já é quilómetro a mais. E interpretações dúbias e precipitadas... Dirá ele: "mouro na costa" - "rei morto rei posto"... Lá vai começar tudo de novo!
- Pois... mas quem se importa com isso?! Vai correr tudo bem, vais ver... creio que tenho outra chave ou, senão, com uma ferramenta apropriada facilmente abro a porta. E peço a um amigo para vir comigo. Logo de manhã resolvo o assunto e vou dar-te os "bons- dias". Eu e o Maserati!





BC/



Aviso:

Caros visitantes, após decisão de remodelação, o blog "Orquídea Negra" foi dividido em dois: "Orquídea Negra para além do arco íris..." e "Orquídea Negra e o capricho do momento...", pelo que, pedindo as minhas desculpas pelo incómodo eventualmente causado e esperando continuar a usufruir da V/ preferência, que agradeço, aqui fica o endereço através do qual podem aceder à outra parte:

http://negraorquidea7.blogspot.pt/





segunda-feira, 28 de maio de 2012

A loucura dor verdes anos!





Instalações espaçosas, mas vazias. Cinzentas... Não fora o longo manto verde que se estende até à várzea, povoado por uma flora ainda bela, uma fauna já escassa e o cão, o Louro - uma ameaça de pastor alemão - afável e dedicado, o dia-a-dia cairia na monotonia do vernáculo praguejar galego. Não! Não chegava a ser monotonia. Aquele genuíno vociferar, vivo e dinâmico, ecoando em todo o volume do prédio, imprimia uma sensação de constante movimento. Sempre igual... mas sempre novo!
E o resto... é um fornecedor a sair e um cliente a entrar.
O telefone que toca... uma encomenda para anotar.

A mercadoria que chegou, para conferir, e outra que necessário se torna pedir.
Uma outra para despachar e a guia de remessa para passar.
Um cheque para depositar e a conta corrente para actualizar.
A máquina que avariou, a energia que falhou... a tinta que vai secar!
- Chama à EDP, rápido! ...Deixa, vem comigo! Estes portugueses...
- Sim! Mas se os portugueses são tão pouco eficientes, porque carga de água é que "ustedes" vieram para cá?!
- Por tua causa... que te parece?
Nada! A ela não lhe parecia nada. O cheiro e a presença de uma orquídea é agradável em qualquer circunstância. Poderia servir de isco, mas nunca seria motivo suficiente para tal. Além do seu cativeiro - conhecido - algures entre as páginas de um livro que, ainda que aberto, a tinha suspensa. Mas segura! Ou tinha tido... as amarras, por fortes que sejam, também se soltam. Com o desgaste. E - já disse - elas soltaram-se. Não! Quebraram-se. À força!
A história começara tímida. Ainda a seiva estava a iniciar o seu ciclo de vida e o caule a dar sinais de que não vergava com a intempérie. As pétalas tenras e suaves experimentavam o sabor das primeiras carícias e beijos à socapa, ao ritmo de um passo de dança algo desajeitado - corpos colados.
A tal, a história... foi-se desenvolvendo aos solavancos. Subrepticiamente. Muito espaçada. Não obstante, com alegria incontida. A loucura, saudável, dos verdes anos... Não obstante, como diria F. Pessoa, "sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?"




 BC/