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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Do Palácio Burnay ao Nicola...


- Rui, havias de ver, quem havia de dizer que sou uma flor de história feita?! Dentro do que perguntavam, andei pelo que tinha uma ideia e inventei aquilo que me parecia que, se não aconteceu, deveria ter acontecido. No bloco optativo, fui pelos Descobrimentos Portugueses. 

Painéis de S. Vicente de Fora - Nuno Gonçalves
Aí, como não seja assaltada por uma "branca monumental", na hora do aperto sempre sai alguma coisa, mas tudo muito superficial!... E cá política... de blocos? Ah, blocos é comigo! E se forem de gelo - como é o caso - vou-te contar... não há quem me pare! Resvala-se aí que é uma maravilha... estendo-me a todo o comprimento. Impávida e serena. Seguríssima.
De facto, é nos blocos (de gelo) onde estou (e estive) mais à vontade. Que isto de russos e americanos é como gregos e troianos. A diferença é que, enquanto os últimos foram à luta movidos por uma romântica história de amor, aos primeiros só o interesse económico e bélico os movia. E em se tratando de economia e logística, a orquídea tem um sentido analítico e metódico muito apurado. Talvez não pareça, pelo seu toque suave e aveludado, mas isso é só à superfície. Bem... até ver nunca é tarde. Como, mal ou bem, fizemos, por norma, não somos excluídos da oral. 
Que não se fez esperar. E uma oral sempre foi a fogueira. Ou não! Exceptuavam-se os casos raros, como raríssimas as orais efectuadas, em que a habilidade, nascida da curiosidade genuína por saber mais, tinha o dom de inverter as funções: punha o examinando a responder às perguntas da examinada. Examinando, claro, masculino. Examinanda tinha um crachá: BARREIRA!
Uma incógnita era um duo de examinandos misto. Feminino para a História, masculino para a Política. E ainda havia muito a excluir. De um vasto jardim inicial, que a Língua Portuguesa tinha mondado até ao nível mais alto, restava um canteiro. Pequeno. Mesmo assim sabíamos que as suas dimensões seriam ainda mais, muito mais, reduzidas. Na terra prometida haveria lugar só para mais dois (ou três?) exemplares. 
Uma vantagem de ter um nome começado por uma  letra constante para lá de metade do alfabeto é ser das últimas a ser chamada nas provas orais e, assim, ter a oportunidade de assistir às prestações anteriores. Dá um certo à vontade e familiaridade com o ambiente. Implicava, porém, no caso, ter de passar a noite em Lisboa. 
Banhistas na Margem de Um Rio - Henri Matisse
A não ser que o Miguel aparecesse - uma promessa vaga feita a vários dias de vista. 
Conhecemo-nos na Heart Rock. Festejava-se a Revolução dos Cravos na disco-night. Com uns dias de antecipação para coincidir com o fim de semana. O som era do satânico Nick Cave. A parede do palco servia de tela para a exibição da pintura de Matisse, alternada com o design da Bauhaus. Do andar superior alguns presentes, (ainda) alheios à pista de dança, assistiam a esta projecção. 
Aí estava, também, uma orquídea - azul, nessa noite - tão resistente como o conjunto jeans, Absinto, deslavado, que envergava. Dois palmos de saia unidos por um éclair, estrategicamente posicionado na dianteira, diagonalmente, a todo o reduzido comprimento, de cima a baixo, não corrido completamente para que permitisse dar passos de gente, à medida da perna. Um blusão/top, de manga comprida e trespasse. Fechado, também, por um éclair no ombro esquerdo e quatro botões metálicos com uma lira em relevo: dois na cinta e dois nos ombros. Ambas as peças, saia e blusão, debruadas no topo com crepe de seda, quadriculado e trincado. Cinto preto a pender, a toda a largura da anca: duas tiras, três quartos abertas em tiras mais estreitas e um quarto cravejado de esmeraldas e rubis (pois, bijouterie), unidas ao centro por um hexágono de bolinhas douradas. Fechavam, atrás, com uma fivela. Scarpins pretos, Italus, tacão latino (2-3 cm de altura) e bolsa/saco preta de franjas. Atenta. Procurando o melhor ângulo de visão que um cavalheiro solícito, gentilmente lhe cedeu à sua frente, não perdendo a oportunidade de entabular conversa. Valeu-lhe a mini-saia que, por norma não combina com tacões (altos) - sente-se meia garça - não ficando, assim, mais alta do que ele. 
Caiu bem - o terreno andava a tender p'ro árido a nível de cabeças pensantes. Depressa descobrimos várias amizades comuns. Pontos e caminhos que se cruzavam: na electrónica e na política, designadamente. Não que a orquídea percebesse alguma coisa de ondas hertzianas ou fosse fanática da social-democracia. Contudo, por força das circunstâncias profissionais, estava embrenhada no ramo eléctrico-electrónico; a social-democracia, de então, tinha sido uma resposta natural aos radicalismos pós-25 de Abril. Ele andava a preterir os condensadores, as resistências e os cabos eléctricos, os transistores e os circuitos integrados, pelas reuniões e manifestações partidárias. A engenharia electrotécnica pela política local - limiana - e o cargo de Delegado Regional do Instituto Português da Juventude (IPJ). 
Daí as idas e vindas aos centros de decisão política da capital serem constantes, para além, talvez, de serem facilitadas pelo paladar aguçado desses meios. Aliás, está demonstrado o seu bom gosto. Quiçá não em tudo, claro, mas, pelo menos, no que a queijo flamengo diz respeito - a bolinha vermelha, nascida em 1959. O Limiano! Excelente. Sabor suave e textura amanteigada. Produto gourmet que veio para ficar. De tal forma que, na capital, viria até a servir para voltar aos tempos ancestrais da troca directa... 
De qualquer maneira, nesse dia, muito provavelmente, haveria coincidência de agenda. Regressaria ao Minho com a companhia de uma flor. 
Nicola-Pr. D. pedro IV(Rossio) - Lisboa

- Passas no Nicola ao fim da tarde. Se não houver impedimento, lá estarei.
Estátua de Bocage-Nicola/Escultura de Marcelino de Almeida
Passaria, claro, não tinha nada a perder por enfeitar uma mesa, durante uma meia hora, na companhia de Bocage, seu habitué de outrora e agora, artisticamente, residente. Que melhor companhia poderia desejar?!
O Café Nicola, sendo um dos estabelecimentos mais antigos e mais frequentados da Lisboa de finais do séc. XVIII - fundado no Rossio, em 1787, pelo italiano Nicola Breteiro -, já foi ponto de encontro, de partida e de chegada de movimentos socio-culturais e políticos. Como local de debate literário por excelência, teve por  frequentador mais ilustre  Manuel Maria Barbosa du Bocage(*).
Conta-se, até, que um dia, em frente ao Nicola, Bocage foi interpelado por um polícia que lhe perguntou quem era, donde vinha e para onde ia. O poeta a quem, porventura, a boémia e a aventura tinham feito satírico e espirituoso, não se escusou a prontamente responder:
"Eu sou Bocage
Venho do Nicola 
Vou p'ro outro mundo
Se dispara a pistola".

Quadro de Fernando Santos - Café Nicola

 Auto-retrato

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.
 

- Bocage




BC/

(*) - Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage (Setúbal, 15 de Setembro de 1765 - Lisboa, 21 de Dezembro de 1805). Poeta, possivelmente, o maior representante do arcadismo lusitano. Embora ícone deste movimento literário, é uma figura inserida num período de transição do estilo clássico para o estilo romântico que terá forte presença na literatura portuguesa do séc. XIX. (Wiki)




sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Uma miragem...


- Isabel! Bom dia! Já sabia que cá estarias... tu e o Rui. Estás preparada? Eu vou mostrar aquilo que valho! Assim mesmo. Com todas as letras. 
Era uma leve esperança de que os conhecimentos de História e Política fossem compatíveis com o denso programa apresentado: uma selva! Talvez porque uma boa parte do nosso passado, assim como do presente, histórico-político não seja, exactamente, um conto de fadas. O nosso: Humanidade, claro. Que este rectângulo pequenino tem tido, ao longo dos séculos, os seus desvarios, mas nem por isso tem pecado por originalidade. Não, nesse campo não! É uma fartura... não foram os feitos, a que sempre damos maior relevância, e sentir-nos-íamos presos numa teia.
A globalização... só a palavra é que é de agora. De resto desde que os portugueses circum-navegaram a Terra ninguém mais soube de que terra era. Pois, pelo menos isso gravei, há muito: fomos importantes. Deixamos marca, enfim, fizemos história que, entre outras (histórias), consta nos livros que se foram acumulando - livros e livros... Seria desta que uma flor com história iria carregar com a História. Era uma promessa. Não! Promessa era demasiado comprometedor. Talvez, mais uma ameaça...
Isso! Uma olhadela de soslaio para o monte... umas vezes mira-se títulos e figuras, outras lá ficam abertos, incumbidos da tarefa de estudar sozinhos... e ao fim - típico - num abrir e fechar de pétalas, esfolheia-se tudo, da raiz à corola, dá-se um pouco mais de atenção à raiz, e zás!, o que tiver de ser tem muita força!
De Março a Junho... dois meses e meio! Tarefa hercúlea, mas manda a justiça que se diga que este tipo de orquídeas sobressaem mais em situações de stress e entregues a si próprias. Sem tempo. Agora e já! Portanto, num caso destes... está à vista: fé no "expertise" do momento e está no ir.
Embora não se convencesse... Não acreditava em milagres e até Santo António, este ano, de 1988, não andava nada casamenteiro por aquelas bandas. Não obstante, nem que fosse só a oportunidade de ver e pisar a escadaria daquele palácio e, ainda por cima, por uma causa tão nobre, tudo valia a pena.
Palácio Burnay
O Palácio Burnay(*), ali, em Alcântara com cheiro a mar, é um exemplar, escasso, do modelo de residência da alta burguesia urbana de Lisboa, do começo do séc. XIX. Para além de ter sido, também, residência oficial de Verão do Patriarcado de Lisboa. Daí Palácio dos Patriarcas ser uma segunda designação pela qual o imóvel é conhecido.
Subir a sua escadaria principal era voar nas asas do sonho. Um sonho de uma flor de braços abertos para o mundo académico. O céu! 
Mas para lá chegar... caminhos intransitáveis, vielas estreitas. Corredores muito apertados. Um sonho que viu escapar-se-lhe desde o primeiro dia em que percorreu os escassos trezentos metros que separavam o seu canteiro de um jardim florido. Palmilhou-os tímida, mas segura. Com a alegria incontida e a agilidade própria dos seis anos. 
Abriram-lhe as portas do paraíso. Por quatro dias! Quatro dias de sonho. E a flor murchou? Não! Foi um pequeno lapso de tempo, mas inebriante. Valeu por uma vida - era o que de mais extraordinário lhe poderiam oferecer. Não perdeu o viço nem a frescura. Cortaram-na! Precisaram do lugar para cultivar uma espécie vinda do outro lado do Atlântico. Nascida de semente lusófona, e flor em fase de criação um pouco mais avançada do que uma orquídea prestes, ainda, a desabrochar. Tinha que esperar mais um ano até à próxima lavra. Era de lei. Desabou o mundo. O seu mundo! De tal maneira que a recordação, a primeira, ficou guardada. Indelével e ciosamente.
Palácio Burnay
E agora aquela escadaria... Uma miragem. Decorada com motivos trompe l'oeil, com a finalidade de criar, nada mais nada menos, do que uma ilusão óptica. Uma observação de relance deixa a percepção de que se está perante um objecto real tridimensional e não bidimensional, como de facto é. A técnica aplicada baseia-se em pormenores realistas que combinados com uma perspectiva do claro/escuro dão uma nítida impressão de profundidade. Perto e longe. De menos a mais infinito. Apenas com truques de perspectiva o pequeno se transforma no imenso. Em tudo condizia com a situação.
 
Palácio Burnay


 
BC/




(*) - "A vida do 1.º conde de Burnay oferece aspectos curiosíssimos pela intensidade com que delineou e executou as mais imprevistas operações e especulações financeiras, bolsistas e bancárias, contando sempre êxitos rotundos e dando origem a uma das casas mais ricas de Portugal (...). Ao mesmo tempo, caso curioso, era exímio bandarilheiro amador. Também ficou, como obra notável sua, o início da reunião de colecções de arte, galeria de quadros, etc. que povoavam os sumptuosos salões do seu palácio da Junqueira, conjunto desmembrado, por partilhas familiares, em 1937, em venda pública". (conforme trecho da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira).
O Palácio de Burnay foi mandado erigir por D. César de Menezes, tendo as obras decorrido entre 1701 e 1734. O Instituto Português do Património Arquitetónico (IPPAR) classificou este palácio como Imóvel de Interesse Público. Durante várias décadas, nele esteve instalado o Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), unidade orgânica da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), agora transferido para o Pólo Universitário do Alto da Ajuda da UTL. Em sua substituição funcionam aí os Serviços de Reitoria e Acção Social da UTL, além do Instituto de Investigação Científica Tropical.
Actualmente está prevista a fusão da UTL com a UL (Universidade de Lisboa), denominada "Nova Universidade de Lisboa", passando o ISCSP, para a sua tutela, já a partir de Janeiro de 2013. (Wiki)





quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Auto-de-fé, pós "Ad-hoc"... no Rossio!




O Rossio, praça pública e terreno espaçoso, é hoje povoado por sóbrios edifícios pombalinos e local onde se realizam alguns comícios políticos em épocas eleitorais. Porém, como centro nevrálgico de Lisboa desde o séc. XV, já foi palco de paradas militares, touradas, festivais e até de autos-de-fé, durante a Inquisição - tribunal eclesiástico, criado na Idade Média, destinado a condenar todos aqueles que não professassem a doutrina pregada pela Santa Madre-Igreja Católica. 
Se bem que o poder Inquisitorial tenha sido um pouco menor em Portugal do que na vizinha Espanha e enfraquecido pela autoridade e carisma do Marquês de Pombal, na segunda metade do séc. XVIII, este período da Santa Inquisição que durou, oficialmente, de 1536 a 1821, não deixou de ser uma mancha negra na gloriosa História de Portugal.  
Os autos-de-fé eram o retrato animalesco daquilo a que o ser humano pode chegar em nome do fanatismo, no combate à heresia. Realizavam-se na praça pública, em forma de cerimonial onde se liam e executavam as sentenças do Tribunal do Santo Ofício, criado pela Inquisição no séc. XVI, destinado a condenar tanto os "relaxados" como os "reconciliados", isto é, todos aqueles que eram remetidos para a Justiça secular, ou seja aos carrascos da Coroa, por quem eram torturados e queimados vivos.

Rossio visto do Elevador de Santa Justa     
O primeiro auto-de-fé realizou-se exactamente aqui, na praça do Rossio, em 20 de Setembro de 1540, hoje Praça D. Pedro IV, em homenagem ao rei Liberal (vigésimo oitavo rei de Portugal e primeiro imperador do Brasil independente) e consequência da marca vigorosa de Sebastião José de Carvalho e Melo (primeiro conde de Oeiras e Marquês de Pombal). 
No centro da praça, ergue-se a estátua de D. Pedro IV, tendo na base quatro figuras femininas alegóricas à Justiça, à Sabedoria, à Força e à Moderação, qualidades atribuídas ao Rei-Soldado, também Rei-Imperador, para além de O Libertador. Foi calcetada, numa área de 8 712 m2, entre 1848 e 1849, com padrões ondulantes em preto e branco, aliás um dos primeiros desenhos desse tipo a decorar os pavimentos da capital. 
Foram as cartas régias de 20 de Agosto de 1498 e de 8 de Maio de 1500, assinadas pelo rei D. Manuel I, que deram o início ao calcetamento das ruas de Lisboa. Assim nascia, em Portugal, a calçada portuguesa que, quando já mais evoluída, foi marcante, ao ponto de merecer referência n'O Arco de Sant'Ana, de Almeida Garrett, assim como em Cristalizações, poema de Cesário Verde e que, sendo sinónimo de funcionalidade, para além de um ideal de moda e bom gosto, prontamente se espalhou pelo país, colónias e estrangeiro.
 
Monumento ao calceteiro em Loures

 … De cócoras, em linha os calceteiros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.


- Cesário Verde, Cristalizações



Também aqui, nesta Pr. D. Pedro IV, quase cinco séculos depois, as pedras da calçada serviriam de sopé às quatro paredes, entre as quais uma flor de cor púrpura e pétalas suaves acabaria de extravasar, sozinha, o sentimento da derrota. Num "auto-de-fé". Não silencioso, mas sem carrascos. Uma batalha perdida. Um sonho que, mais uma vez, acabava de esfumar-se. Não a guerra, mas uma batalha inglória!



BC/




sábado, 13 de outubro de 2012

Marte, guerreiro, de orquídea na lapela!





Por vezes acontece. Em momentos chave, os Deuses - de bom gosto - decidem exibir uma orquídea na lapela. E desta foi Marte, guerreiro. Momento ténue... mas de realce! Protegida por Aquilino, não deixou ficar mal o Minho e honrou a Casa Grande. Era o resultado da prova de Língua Portuguesa, que não se fazia esperar: História Universal e Política Mundial esperavam por ela!  Em Junho. Exactamente, do ano da graça de 1988, o seu ano de glória - em 87 tinham-se quebrado as grilhetas. 
O mês  de Junho, em que a cidade de Lisboa festeja o seu santo padroeiro, Santo António. Todos os anos. Embora as "más línguas" digam que Santo António não é O, mas Um dos santos padroeiros da outrora Olissipo, como era conhecida pelas tribos celtibéricas e, posteriormente - época romana -, Felicitas Julia.  
Não obstante, rezam os cânones que, afinal, o padroeiro da capital é S. Vicente(*). Pois será... de direito! Mas a verdade é que a tradição de tal modo se enraizou no povo lisboeta que este venera, de facto, o seu santinho protector e casamenteiro, Santo António, cujo culto está associado a ritos de fertilidade. Assim sendo, é bonito de se ver o ritual que persiste, entre os jovens, da queima de alcachofras(**) para saberem do futuro dos seus amores e pedirem a sua protecção. 
O dia 13, dia de Santo António, é feriado municipal. Contudo, com a realização dos "Casamentos de Santo António", logo no dia 12, inseridos no programa das Festas da Cidade, os festejos em sua honra começam de véspera, dado que, depois de um longo interregno, a Câmara Municipal de Lisboa (CML), em 1997, decidiu retomar a sua realização, adaptando e modernizando a iniciativa "Noivas de Santo António", organizada pelo Diário Popular no período de 1957 a 1974. Entre muitas outras adaptações, o evento passou a contemplar casamentos civis e religiosos. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades... 
"Vai de corações ao alto nesta lua
E a marcha segue contente
As pedrinhas de basalto cá da rua
Nem sentem passar a gente." 
  (Amália Rodrigues - Lá Vai Lisboa)
Mas, desta feita, em 1988, Santo António havia-se decidido pela greve - quanto a casamentos à borla, claro! - decretada pela Revolução dos Cravos. Arroz, vestidos brancos e flores de laranjeira eram incompatíveis, ainda, com os princípios revolucionários da época. Manifestações capitalistas.  E disso de "custo zero", desconhece-se a existência. Como ninguém dá nada a ninguém, parece que nem nele acreditava o marxismo. Porém, como o auge das Festas de Santo António são as Marchas Populares, representativas dos diversos bairros lisboetas, a Avenida da Liberdade não ficaria sem festa.
Festa que acaba com os arraiais montados nos mais típicos bairros de Lisboa, especialmente em Alfama e Madragoa, celebrada a preceito com sardinha assada e regada com a refrescante sangria. Acontecimento popular, tradicional. Já pertencente aos anais da história de Lisboa.
Ironia das ironias: sempre tinha olhado de esguelha para a História. Não lhe votava mais tempo do que o necessário para o dez. O que era muito (tempo), comparado com outras matérias às quais não precisava de dedicar quase nenhum. Sempre que não fossem as "disciplinas da treta". Encabeçadas por História. 
Ainda que a dita seja muito útil quanto à explicação do presente, analisando o passado, e forneça previsões fiáveis para o futuro, para uma flor, altiva apesar de aveludada, o que lá vai, lá vai... Basta que fique o essencial: um panorama global, ainda que esquematizado, mas que situe pessoas e acontecimentos; o que de grande fizeram os antepassados (desmandos, nem ao diabo lembram); uma ideia pré e proto-histórica; e, claro, algum acontecimento mais bizarro sempre dá um charme digno de nota.
Já a Política caiu bem. Para ela, foi um sulfato (químico) substituto do estrume de bovinos e ovinos. Uma novidade mais tardia. A época da curiosidade (política).  E das actividades recenseadoras. E das mesas das assembleias de voto. E da militância partidária. E das mesas das assembleia e comissão política concelhias (partidárias). 
Estudavam-se os sistemas políticos e eleitorais, a Política de Blocos e a Guerra Fria. EUA vs. URSS, que é como quem diz capitalismo vs. socialismo (forma eufemística de comunismo). Ainda não tinha acontecido a reunificação alemã - só volvidos dois anos (1990) a Alemanha voltaria a ser a "República de Bismark". 
Orquídea tinha que apelar a Juno(***). Mesmo assim, seria conveniente desabrochar em pleno e voltar-se para a tarefa. Que se adivinhava árdua. Bastava avaliar pela quantidade de livros que foi amontoando. De História, principalmente...



BC/




(*) - Vicente de Saragoça, também conhecido como São Vicente de Fora, ou, San Vicente Mártir, foi um mártir do início do século IV que sofreu o martírio em Valência (Espanha). Na Sé do Patriarcado de Lisboa estão depositadas algumas das suas relíquias, sendo, também, um dos santos padroeiros da cidade.  
Aparece representado de modos diversos: com palma e evangeliário ou, mais habitualmente, com uma barca e um corvo, porque, de acordo com a tradição, quando, em 1173, o rei Afonso Henriques ordenou que as relíquias do santo fossem trazidas do Cabo de São Vicente (o então "Promontorium Sacrum"), junto a Sagres, para a cidade de Lisboa, duas daquelas aves velaram o corpo do santo que seguia a bordo da barca – facto a que ainda hoje aludem as armas de Lisboa e de muitas outras povoações portuguesas.

(**) - Lenda grega a respeito da alcachofra:
A primeira alcachofra era uma adorável jovem que vivia na ilha de Zinari.
Um dia o Deus grego Zeus foi visitar seu irmão Poseidon e, assim que ele emergiu do mar,  viu uma bela jovem mortal. Ela não parecia assustada com a presença de um Deus, e Zeus aproveitou a oportunidade para tentar seduzí-la. Ele ficou tão encantado com a jovem, com o nome de Cynara, que até decidiu fazê-la uma Deusa, para que assim ela pudesse morar perto da sua casa, em Olympia. Cynara concordou e Zeus antecipou a cerimónia, aproveitando enquanto a sua esposa Hera, estava ausente. Porém, Cynara logo sentiu falta de sua mãe e ficou doente. Então voltou escondida para o mundo dos mortais para uma breve visita. Ao voltar, Zeus descobriu o seu acto e enfurecido mandou-a de volta para a Terra e transformou-a na planta conhecida como a alcachofra.


Júpiter e Juno, por Annibale Carracci, séc. XVI.
(***) - Juno, na mitologia romana (tem, na mitologia grega, a equivalente Hera), é a esposa de Júpiter (equivalente grego, Zeus) e rainha dos deuses. É representada pelo pavão, a sua ave favorita. Íris era sua servente e mensageira. O sexto mês do ano, Junho, tem esse nome em sua homenagem. 


(Fonte: Wiki)




quinta-feira, 11 de outubro de 2012

"Ad-hoc"




É isso! Encontrei o fio à meada! Aí por Março/88, partiram as duas flores - orquídea e rosa - no Expresso das 11:00 H. Rumo à Cidade das Sete Colinas. Relevo acidentado. Urbe desenvolvida e cosmopolita, preservando o pitoresco dos bairros populares e o acento, tónico, das suas gentes.
Palácio Burnay (ISCSP)
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica (de Lisboa). Ad-hoc! Elaborado à medida e maturidade de flores acima dos 23 (anos, claro!). Sem habilitação própria, ainda. Auto-didactas. Queriam saber se elas tinham arcaboiço suficiente para manejar a língua de Camões. Com um pouco de sorte (e saber) lá chegariam à História e à Política. Escrita e oral. Na mira das Relações Internacionais. É que as "nacionais" andavam estropiadas... de todo.
Prestaram provas (escritas e eliminatórias) de Língua Portuguesa. Nem o épico Camões, nem o heteronímico Pessoa ou sequer o arrebatamento apaixonado de Florbela Espanca.  Não! Os caminhos da diplomacia querem-se mais prosaicos. Serviram-lhes um texto que honrava o Minho - Aquilino Ribeiro(*) e a Casa Grande de Romarigães (1957).




https://encrypted-tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQ24UfUaeF9FWMxQagwznO8kOl19uXN6O1krL2ozXyudmFjCCfKWw
Casa Grande de Romarigães
Como convém a qualquer diplomata que se preze. Uma linguagem rica, em termos lexicológicos, e recheada do falar do povo. Assim é Aquilino, a quem sua mãe quis fazer sacerdote, a monarquia fez republicano e prendeu por anarquismo. Se evadiu, viveu e estudou em França. Revoltoso no Estado Novo. Exilado. 
Com honras de Panteão Nacional na 2.ª República. Casado, em primeiras núpcias, com a alemã Grete Tiedemann e, em segundas, com Jerónima Dantas Machado, filha de um dos Presidentes da 1.ª República, Bernardino Machado (**), que morou na Casa Grande de Romarigães, acabando Aquilino, ao casar-se com a filha daquele, por lá habitar também. 
Aqui, à distância de dois canteiros, a Casa Grande que, apesar de hoje se encontrar em "estado selvagem", continua misteriosa e sedutora. Que mais não fosse, pela sua história. E com honras de classificação: "Conjunto formado pela casa, anexos de função rural e capela do Amparo. Casa nobre, oitocentista, antecedida por um grande portal armoreado. A capela do Amparo apresenta a fachada decorada com nichos, imagens, carrancas, volutas, frontões e um óculo, tudo lavrado em pedra da região. A fachada é rematada por um campanário." (in "Património Arquitectónico e Arqueológico Classificado" - IPPAR, 1993).
Um doce! Está feito... "correu"! Nem bem nem mal, simplesmente "correu". Bom prenúncio. Naquela época, só excepcionalmente isso não significava resultado positivo. Sim! Mas sem convicções a priori. Nunca! Antes pelo contrário... esperemos para ver! Até porque muitos foram os chamados, mas poucos seriam os escolhidos. Apenas dois, no final. Constava-se...
A concorrência parecia de peso. Desde funcionários da Assembleia da República a familiares de membros do Governo da Nação! Um aperto! Por norma esta gente "atrasa-se na entrada e adianta-se na saída"... Mas não importa, tem o lugar cativo. Não obstante, limitar o número de aprovações nesta fase, atendendo não à prestação, mas ao número de vagas disponibilizadas, era desnecessário. Não havia motivo. Seguiriam-se as provas específicas para triagem absoluta. Porém, se mais não houvesse, já tinha valido a experiência. Desafiante. Colegas simpáticos e acessíveis. A Isabel e o Rui. 
https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTiNrSVmNOd4bkC1-YX-DMjnmK3o9D_sgGJaSVmVfZiDbmU2g88
Citroën 2CV Ziggy
Ela, a Isabel, com rosas no regaço. De rosas precisava para amortecer os choques do Citroën 2 CV, que ainda estava para as curvas. E para as corridas. Frequentes. Quase diárias. De Rio Maior para Lisboa. O trabalho assim o exigia e queria aproveitar a boleia e conciliá-lo com os estudos, uma filha e um casamento desfeito. Boleia dupla: um tio Secretário de Estado. Por isso sabia do que falava: 
- não vou ficar por aqui! E quero Relações Internacionais porque são meio caminho andado. A política é que dá poder! O poder exerce uma enorme atracção... não creio que vá continuar a achar grande piada ao 2 CV, indefinidamente. Até um jogador de futebol, da quinquagésima divisão, me vira as costas em dois tempos. Basta que lhe apareça um pingo de "sangue azul  da última metade do século", mesmo que de origem duvidosa. Chega! E a minha oportunidade também vai chegar. Preciso do canudo.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f4/Airport_Lisbon_a.JPG/250px-Airport_Lisbon_a.JPG
Aeroporto de Lisboa, com o logo da ANA, S.A.
Ele, o Rui, morto... de cansaço! Da actividade estratégica e frenética da, então, ANA (Aeroportos e Navegação Aérea) à mistura com as idas e vindas. De e para Coimbra. Além, claro, de um amor em cada porto... Aeroporto, para ser precisa. E digo "claro", porque num homem até parecia mal. Se assim não fosse, naturalmente. Satisfaz-lhes o ego. Esvazia-lhes a mente. Sábio o que encontra o equilíbrio. Ainda não descobri esse canteiro, mas garantem-me que existe. Possivelmente... a imaginação pode levar-nos longe e os efeitos psicossomáticos são poderosos. Diria que determinantes, o "placebo" e o "nocebo".






BC/


(*) - Aquilino Gomes Ribeiro (Carregal, 13 de Setembro de 1885 - Lisboa, 27 de Maio de 1963).


(**) - Bernardino Machado foi 0 3.º (6 de Agosto de 1915 - 5 de Dezembro de 1917) e 8.º (11 de Dezembro de 1925 - 31 de Maio de 1926) Presidente da 1.ª República Portuguesa, tendo o respectivo mandato sido interrompido por golpe de Estado, em ambas as vezes.