- Não se esqueçam de sair no Campo Pequeno. Esperem junto da agência da Turilis, que não tarda a abrir as portas, e recolhem-se lá o tempo que precisarem. Prestem atenção, senão vão parar ao Cais do Sodré... e a essa hora poderia ser (um pouco) perigoso. A zona não é muito bem frequentada!
Era o Sr. Lemos. Tinha, à data, um canteiro no mesmo jardim da rosa, mas armazenava longos anos de experiência vivida por aquelas bandas. Sina de muitas flores minhotas que migraram para a capital, na tentativa da concretização do "sonho dourado". E, duma maneira geral, com sucesso! Aliás como quase todas as flores portuguesas que se aventuraram aquém e além! Mar ou terra...
A orquídea e a rosa eram só mais duas embarcadas... Não à procura do "sonho dourado", mas do "sonho azul". Um trampolim que lhes permitisse um pequeno/grande salto para a aquisição de um pouco mais de saber. Formatado! A orquídea com determinação e ansiedade, a rosa mais por arrastamento...
Era uma "directa" até à prestação de provas. Dava tempo para dormitar até à paragem intercalar - desentorpecer no Manjar do Marquês:
- meia-de-leite directa, por favor, e um queque de cenoura!
- Ora, aqui está!
- Como? Desculpe, eu esqueci-me de... onde estou!
De facto, aquilo em Pombal e em qualquer parte, pelo menos onde se fale português, era "meia chávena de leite"; mas, para uma orquídea à beira Minho plantada, "meia-de-leite" é realmente meia chávena de leite e, pelo menos, um quarto de café!
- Só me faltava esta... em vez de acordar, ficaria mais dormente ainda!
Cada terra com seu uso e tradição. É como se os usos e as tradições mais arreigadas duma região ponham a nu a sensibilidade e o carinho existentes no coração das suas gentes. Tanto maiores os últimos quanto a força com que são ciosamente preservados os primeiros.
Seguimos viagem, dormentes e fazendo votos para que chegássemos o mais tarde possível...
Lá pelas cinco da manhã, pára aqui e pára ali, agora sai um, depois sai outra e nada de Campo Pequeno... nem vontade de perguntar!
- Vamos saber! Acho que já passámos.
- Tem calma, o motorista há-de ir e voltar!
Pois, mas não era bem assim. Anunciavam a última paragem! Tinham que sair ali. Acontecera o não recomendado. Cais do Sodré à vista...
Há vários séculos que no Cais do Sodré todas as culturas atracam. Desde sempre um local estratégico na cidade de Lisboa, ou não tivesse como vizinho o Rio Tejo. E, ironia das ironias, duas flores minhotas haviam à Ribeira das Naus atracado... À procura de cultura!
Ribeira das Naus... Assim se chamava, na época dos descobrimentos, o terreiro onde, tradicionalmente, se situavam os estaleiros de construção dos navios que se aventuraram por rotas e mares nunca antes navegados e que hoje, apesar de ser um local agitado, não é, como foi durante muitos anos, o coração da cidade de Lisboa, capital do reino desde 1255. Enfim, hoje não reino, mas república desde 1910.
- E pronto! E agora, bela rosa? Parece que nos deitaram às feras, à espera de carne não de flores!
- Claro, a culpa é tua, vestida dessa maneira... Vens-me para aqui de mini-saia, estás mesmo a pedi-las!
- Que queres? Sabes muito bem que é o usual e ninguém me/se incomoda. Mas... Ora repara!...
Olhos esbugalhados, andar tremelicante, aspecto esgroviado:
- Não me orienta aí uma moedinha, meu? Enquanto mais adiante outro já apanhava porrada...
Sorte que ao longe ecoava o som da sirene policial e é vê-los escapulirem-se. A rosa e a orquídea, pouco à vontade nestes ambientes, saíram dali.
Enveredaram rua acima e foram à procura dos familiares do Sr. Lemos que, segundo ele dissera, tinha por ali perto. Porém era cedo, as ruas estavam desertas, ocupadas apenas por carros ou o que deles restava. Imóveis e desarticulados onde os cães vadios - único sinal de vida relevante àquela hora - aproveitavam para "alçar a perna". Marcando terreno e procurando comida, iam-se cumprimentando, uns aos outros, num ritual quotidiano, íntimo, só por eles percebido. Rápidos, sem demoras, a menos que algum parceiro despertasse um pouco mais de interesse digno de uma investigação mais apurada.
Postal curioso! À falta de outro entretenimento ocupou mais uns minutos. O tempo suficiente para que a Malmequer, pastelaria abençoada, na hora, surpreendesse com uma abertura convidativa.
Já não faltava tudo! Sempre dava para acordar, fazer umas perguntas e, sobretudo, não andar na rua. Outro conforto. Apuraram, até, que uns passos mais abaixo haveria táxis disponíveis. Mesmo a calhar... e antes que se fizesse tarde:
- Bom dia! Instituto de Ciências Sociais e Políticas, à Junqueira, por favor!
Era uma "directa" até à prestação de provas. Dava tempo para dormitar até à paragem intercalar - desentorpecer no Manjar do Marquês:
- meia-de-leite directa, por favor, e um queque de cenoura!
- Ora, aqui está!
- Como? Desculpe, eu esqueci-me de... onde estou!
De facto, aquilo em Pombal e em qualquer parte, pelo menos onde se fale português, era "meia chávena de leite"; mas, para uma orquídea à beira Minho plantada, "meia-de-leite" é realmente meia chávena de leite e, pelo menos, um quarto de café!
- Só me faltava esta... em vez de acordar, ficaria mais dormente ainda!
Cada terra com seu uso e tradição. É como se os usos e as tradições mais arreigadas duma região ponham a nu a sensibilidade e o carinho existentes no coração das suas gentes. Tanto maiores os últimos quanto a força com que são ciosamente preservados os primeiros.
Seguimos viagem, dormentes e fazendo votos para que chegássemos o mais tarde possível...
Lá pelas cinco da manhã, pára aqui e pára ali, agora sai um, depois sai outra e nada de Campo Pequeno... nem vontade de perguntar!
- Vamos saber! Acho que já passámos.
- Tem calma, o motorista há-de ir e voltar!
Pois, mas não era bem assim. Anunciavam a última paragem! Tinham que sair ali. Acontecera o não recomendado. Cais do Sodré à vista...
Há vários séculos que no Cais do Sodré todas as culturas atracam. Desde sempre um local estratégico na cidade de Lisboa, ou não tivesse como vizinho o Rio Tejo. E, ironia das ironias, duas flores minhotas haviam à Ribeira das Naus atracado... À procura de cultura!
Ribeira das Naus... Assim se chamava, na época dos descobrimentos, o terreiro onde, tradicionalmente, se situavam os estaleiros de construção dos navios que se aventuraram por rotas e mares nunca antes navegados e que hoje, apesar de ser um local agitado, não é, como foi durante muitos anos, o coração da cidade de Lisboa, capital do reino desde 1255. Enfim, hoje não reino, mas república desde 1910.
- E pronto! E agora, bela rosa? Parece que nos deitaram às feras, à espera de carne não de flores!
- Claro, a culpa é tua, vestida dessa maneira... Vens-me para aqui de mini-saia, estás mesmo a pedi-las!
- Que queres? Sabes muito bem que é o usual e ninguém me/se incomoda. Mas... Ora repara!...
Olhos esbugalhados, andar tremelicante, aspecto esgroviado:
- Não me orienta aí uma moedinha, meu? Enquanto mais adiante outro já apanhava porrada...
Sorte que ao longe ecoava o som da sirene policial e é vê-los escapulirem-se. A rosa e a orquídea, pouco à vontade nestes ambientes, saíram dali.
Enveredaram rua acima e foram à procura dos familiares do Sr. Lemos que, segundo ele dissera, tinha por ali perto. Porém era cedo, as ruas estavam desertas, ocupadas apenas por carros ou o que deles restava. Imóveis e desarticulados onde os cães vadios - único sinal de vida relevante àquela hora - aproveitavam para "alçar a perna". Marcando terreno e procurando comida, iam-se cumprimentando, uns aos outros, num ritual quotidiano, íntimo, só por eles percebido. Rápidos, sem demoras, a menos que algum parceiro despertasse um pouco mais de interesse digno de uma investigação mais apurada.
Postal curioso! À falta de outro entretenimento ocupou mais uns minutos. O tempo suficiente para que a Malmequer, pastelaria abençoada, na hora, surpreendesse com uma abertura convidativa.
Já não faltava tudo! Sempre dava para acordar, fazer umas perguntas e, sobretudo, não andar na rua. Outro conforto. Apuraram, até, que uns passos mais abaixo haveria táxis disponíveis. Mesmo a calhar... e antes que se fizesse tarde:
- Bom dia! Instituto de Ciências Sociais e Políticas, à Junqueira, por favor!
BC/